quarta-feira, 26 de maio de 2010

Os programas de humor e o jornalismo em Brasília

Nesta quarta-feira, enquanto o presidente Lula e os jogadores que vão à Copa do Mundo se dirigiam ao interior do Palácio da Alvorada, um humorista de um programa da TV Record ultrapassou a área delimitada para a imprensa e, fantasiado, tentou dar um abraço no Dunga. Foi impedido pela segurança e preso pela Polícia Federal.

Testemunhei a aflição do produtor do programa, que estava bem ao meu lado. Chegou a gritar “agora não!”, mas a merda já estava feita. Não sei se eu que sou ignorante, por sequer saber o nome do programa (sei apenas que é com o Mion), ou burro, pois não vi graça nenhuma na atitude.

Isto que aconteceu hoje é apenas mais uma atividade naquilo que está virando rotina em Brasília: a invasão de programas de humor em espaços que deveriam ser ocupados apenas por jornalistas.

O CQC é o que mais dá as caras por aqui. Toda semana eles batem ponto pelo menos no Congresso, onde ficam constrangendo os políticos com perguntas que nem os próprios “repórteres” saberiam responder sem uma produção por trás.

Tudo bem que os humoristas do CQC são talentosíssimos, alguns são jornalistas diplomados com bom passado profissional. Mas daí a dizer que eles fazem jornalismo, como o apresentador do programa insiste, é um erro.

Os programas estão misturando as coisas. Ao fazer campanha e insistir que o Congresso liberasse o credenciamento a eles, como o CQC fez em 2008, extinguiu-se a divisão entre o jornalismo e o humor. Hoje jornalistas e humoristas estão juntos em muitas pautas, como não deveria. O humor atrapalha quem está trabalhando a sério. A simples presença deles afugenta entrevistados, atrapalha entrevistas e impede a gravação das melhores imagens.

A equipe do incidente de hoje entrou no Alvorada com credenciais de repórter cinematográfico e auxiliar da TV Record. Se passaram por profissionais de imprensa para ter acesso a um lugar onde centenas de populares não conseguiram. Vale tudo para ser engraçadinho? Onde está a ética?

Aliás, a própria ética é uma das diferenças entre o jornalismo de verdade e o que os programas de humor dizem que fazem. Quando o CQC voltou ao ar, este ano, fizeram um VT divertidíssimo sobre uma TV de LCD doada a uma escola e que estava na casa de uma professora, ou diretora, sei lá, e flagrada por um GPS imbutido no aparelho. Se fosse jornalismo, seria uma boa matéria. Mas, ao fazer humor, pressionaram o prefeito da cidade (que não é flor que se cheire, frise-se). Faltou o princípio da isonomia, de ouvir os dois lados de forma igual e de dar chance para a defesa.

Em suma: os humoristas não deveriam ter o mesmo acesso que nós, jornalistas, temos. Sequer passar a ideia de que fazem jornalismo, porque não é. Se querem fazer vídeos engraçadinhos, que abordem autoridades fora do local de trabalho deles. Ou então que voltem a fazer piadinhas com artistas em porta de festa no eixo Rio-São Paulo.

Não estou defendendo a blindagem das autoridades. Mas integrantes de programas de humor não podem ter mesmo espaço do que nós, jornalistas, temos. Atrapalha e desmoraliza o nosso trabalho.

Outro problema é o espaço que o humor possui. O dia 7 de abril é considerado o dia do jornalista e, ao pesquisar o assunto no twitter, vi que nove em cada dez mensagens era de parabéns a algum “repórter” do CQC.

Estes programas possuem um público cativo e ninguém pode ficar ruim com eles. Por isso o credenciamento a eles é liberado com tanta facilidade. Se alguém impede o acesso, eles dizem e insistem que é censura.

Políticos, então, não podem nem pensar em contrariá-los. Daí surgem aberrações, como o Serra dar entrevista constrangedora ao CQC ou a Dilma prometer dançar o “rebolation”, se eleita, à Sabrina do Pânico.

Não sei se é um alento, mas o humor em Brasília está perdendo a força. Semana passada, durante a marcha contra a homofobia, uma equipe do Pânico foi expulsa por estar “fazendo gozação com coisa séria”, como definiu um organizador. Equipes do CQC, que eram vistas com mais frequência no Itamaraty, quase não fazem mais pautas sobre visitas de chefes de Estado. A última que vi em Brasília foi um humorista que se fantasiou de Che Guevara para o presidente conservador do Chile. Ninguém riu.

Se esta fase do humor em Brasília acabar, voltaremos a ser apenas uma cidade sem graça, como fomos durante anos e anos. Eu prefiro assim. Rir de Brasília é rir dos políticos, das autoridades que nos visitam, dos jornalistas, de tudo para o qual a capital foi sonhada e planejada.

6 comentários:

  1. Parabéns Rafael!! Excelente texto. Temos que diferenciar o jornalismo sério do humor. Os programas humorísticos são bons até certo ponto, porque ultimamente estão passando do limite.

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  2. Acho que já tinha te dito que compartilho da mesmíssima opinião né?

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  3. PARABÉNS PELO TEXTO! É tudo muito engraçado para quem vê, mas para nós, jornalistas, não é nada engraçado quando uma Sabrina da vida grita e estraga a nossa sonora. Ou quando o cara do CQC acha que tem mais direito que todos de pegar o microfone em uma coletiva para fazer uma pergunta infundada. Achei que só eu me sentia assim, injustiçada!

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  4. Parabéns, meu velho! Muito bom seu blog e seus posts!!
    Grande abraço!!!
    beto (da unb)

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  5. Como telespectador acho sensacional, mas entendo o lado de vocês jornalistas.

    Sou a favor desses programas terem acesso aos parlamentares porque são esses programas que o povão assiste. É neles que essas pessoas conhecem os políticos. As classes C,D e E não leem a Veja, a Carta Capital, não leem a parte de política da Folha,etc... A abordagem humorística traz os eleitores mais perto dos eleitos, para que eles conheçam em quem eles estão votando.

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  6. Essa Luciana Cobucci está misturando as coisas ao se referir a Sabrina. É pessoal ne, colega jornalista!

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