sexta-feira, 28 de maio de 2010

Serra e a retórica anti-sulamericana

O pré-candidato do PSDB à presidência, José Serra, disse na última quarta-feira que o governo da Bolívia é cúmplice do tráfico de drogas na América do Sul. E ainda ironizou, ao falar que trata-se de um governo “amigo”.

Esta declaração se soma a outra, de cerca de um mês, na qual Serra questionou a funcionalidade do Mercosul --e acabou corrigindo ao dizer que prefere trabalhar pela flexibilização do bloco.

As falas de Serra foram comemoradas pela campanha da Dilma Rousseff, que aproveitou os episódios para gritar, mais uma vez, que o tucano é contra os vizinhos, a integração com a América do Sul e, por consequência, se opõe a um dos principais eixos da política externa de Lula.

No entanto, as declarações não passam de retórica eleitoral. Se eleito, o ex-governador de São Paulo não vai acabar com o Mercosul, com a Unasul, com a integração sul-sul e todos os demais projetos. Vale comentar aqui o porquê.

A política de integração sul-americana não foi proposta pelo governo Lula. Ou seja, não é algo do “governo do PT”. Ela vem desde a década de 1980, quando houve a redemocratização dos países do Cone Sul. Em 1985, os presidente do Brasil, José Sarney, e da Argentina, Raúl Alfonsín, criaram um mecanismo de integração bilateral que posteriormente, com o ingresso do Uruguai e do Paraguai, tornaria-se o Mercosul.

Esta integração que conhecemos hoje, com um Mercosul forte e a Unasul consolidada, foi construída ao longo dos últimos 25 anos. Alem de Sarney, os governos de Itamar Franco, Fernando Henrique (segundo mandato) e Lula foram fundamentais para que se atingisse o grau atual.

(Vale aqui um teste. Quantos presidentes da América do Sul você conhece? Muitos, poucos, alguns? Com certeza é mais do que você conhecia há dez anos.)

A constituição da Unasul é um processo sem volta. Dependendo da vontade e dos interesses dos presidentes sul-americanos, ela pode ter um papel mais ou menos importante no contexto regional. Mas, daí a ser extinta, para mim é impossível.

Mesmo presidentes conservadores, como Álvaro Uribe e Alan García, são favoráveis à integração regional. Todos os presidentes estão cientes de que, por mais que exista divergências políticas ou ideológicas, é importante a manutenção de um instrumento de diálogo, consulta e integração física e econômica.

Há alguns pontos de discórdia, claro. Uribe, por exemplo, relutou em aceitar a criação do Conselho Sul-americano de Defesa. Mas terminou concordando, ao saber que um possível isolamento regional teria efeitos piores. E qual bloco não possui atritos? Basta olhar o maior bloco mundial, a União Europeia, e suas desavenças internas, para ter a resposta.

Eu, pessoalmente, não acredito que Serra tenha intenção real de flexibilizar o Mercosul, de partir para o confronto com a Bolívia assim como os EUA fizeram, em relação ao tráfico de drogas, ou de romper com a Venezuela. O candidato sabe que interromper a integração regional não é o caminho.

Serra tem formação de esquerda, e assim era ideologicamente até a eleição de Fernando Henrique. Estudou na CEPAL, no Chile, que desde 1948 prega a integração sul-americana. Como ministro do planejamento, participou da elaboração do Plano Plurianual de 2000-2003, quando a aproximação regional voltou a ser prioridade do governo.

Mas não entendo o porquê de suas declarações. O Mercosul não é um fardo para as relações comerciais brasileiras, visto o crescente comércio com todos os blocos econômicos mundiais. Se a Bolívia é responsável por 80 ou 90% da cocaína contrabandeada ao país, não é por culpa de seus dirigentes. Evo Morales defende os cocaleros, ou seja, quem produz a coca para fins religiosos, e não os traficantes.

Eu prefiro acreditar que as afirmações do pré-candidato tucano sirvam apenas para alentar a elite de direita, a turma do DEM, os eleitores que se opõem a Dilma e a Marina. Os mesmos que defendem abrir a alfândega para produtos dos EUA, que se mordem de raiva até hoje pela nacionalização da Petrobras promovida por Evo Morales, que bufam contra o ingresso da Venezuela no Mercosul, apesar das enormes vantagens econômicas ao Brasil, e que se indispõem ao ver tantos sul-americanos trabalhando nas nossas metrópoles.

Ou seja, Serra partiu para a pura retórica de ano eleitoral. E que poderá gerar pequenos incêndios, caso seja eleito.

2 comentários:

  1. adorei o blog! vou divulgar! parabéns, rafa!

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  2. Bem, em primeiro lugar parabéns pelo Blog, Rafael. Está muito interessante. Você terá um comentador assíduo de agora em diante!
    Sobre o texto, vamos lá.
    Concordo em parte. Sem dúvidas, as bravatas do Serra partem do ponto de vista de uma guinada à direita para agradar aqueles que se sentem incomodados com a leniência petista com pseudo democratas (me incluo nesse grupo). Entretanto, não há, no meu ponto de vista, como negar que uma posição mais condizente com a importância brasileira deva ser adotada no trato com os vizinhos para o próximo governo.
    Outra coisa, isentar de culpa os dirigentes brasileiros ou bolivianos pela entrada da cocaína no país é, para dizer o mínimo, ingenuidade.

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